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Tempo de vencer a indiferença

A Páscoa é a maior festa do Cristianismo. É tempo de celebrar a ressureição de Jesus Cristo, que deu sua vida pela humanidade. Em 2020, com a pandemia de coronavírus, vivemos um momento de quaresma que exige, ainda  mais, caridade e solidariedade entre as pessoas e as nações. Conversamos com a professora Rosélia Junqueira, coordenadora da Pastoral Universitária no Campus Coração Eucarístico e na Unidade São Gabriel, sobre o momento que se apresenta e sobre como enfrentar com fé e otimismo os desafios impostos.

 

No Ponto: O período da quaresma é um momento de reflexão propício para mudanças interiores. No mundo todos as pessoas estão sendo forçadas, pelas circunstâncias geradas pela pandemia de coronavírus, a voltar o seu olhar para o mais próximo. De que forma podemos nos fortalecer para viver este momento?

Professora Rosélia: Nesse tempo de epidemia de coronavírus, a vida cotidiana se diferencia do dia a dia que estamos acostumados. O nosso espírito de caridade, de solidariedade é convidado a extrapolar o nosso âmbito do Brasil. Somos convidados a exercitar este olhar, essa humanidade, esse cuidado com o planeta todo. Vários povos, várias culturas estão sofrendo. Então, o Espírito da Páscoa se evidencia através da esperança, que a gente não pode deixar de lado. Focar na esperança e na certeza da ressurreição. Na certeza de que a vida vence a morte. De que a saúde vai vencer a doença. De que o cuidado, a nossa solidariedade, a nossa bondade, e até a nossa reclusão, vão ajudar as pessoas a ter mais vida e nós vamos recuperar a nossa vida em breve. Vamos poder celebrar essa vida plena que Jesus já garantiu para nós. Como cristãos somos teimosos, a gente é esperançoso por convicção e por adesão. O cristão não perde a esperança, ele não desiste da vida. Por mais que a situação pareça levar para a morte, nós vamos seguir acreditando na vida, acreditando na solidariedade, na caridade, no cuidado.

Além disso, vivemos no Brasil, há mais de 50 anos, um exercício quaresmal muito importante. A Campanha da Fraternidade convida a um exercício especial. A cada ano, nos preparando para a Páscoa, somos convidados a olhar para a realidade que vivemos, detectar as situações de morte, perceber onde a vida está ameaçada e unir nossas forças, nossa solidariedade, nossa fé, para que as situações sejam superadas.

 

No Ponto: O isolamento é também uma oportunidade para nos voltarmos a nós mesmos, à convivência em família, ao que realmente importa? É uma oportunidade para percebermos que certos valores, como os financeiros, não são valores absolutos?

Professora Rosélia: O isolamento vai nos ajudar na dimensão do deserto. Do buscar escolher o essencial. O deserto nos coloca em contato com a gente mesmo. Com aquilo que é mais importante. Nos ajuda a discernir a essência do que é periférico e superficial. Das grifes, das perfumarias, das exigências desta sociedade muito voltada para as aparências, voltada para o cultivo daquilo que é superficial. Acho que neste momento a gente vai conseguir, mais profundamente, vivenciar o deserto. Ainda que seja coletivamente nas nossas casas, nos espaços pequenos em que estamos vivendo coletivamente esta quarentena. É uma oportunidade de a gente eleger, olhar a nossa vida, revisitar as nossas ações, nossas atitudes, nossas escolhas, e alinhá-las com o Evangelho. Com a proposta de Jesus, com a proposta de seu reino, que é um reino de Vida, de inclusão, de solidariedade.

 

No Ponto: Pequenos empreendedores, autônomos, empregados domésticos serão os principais atingidos economicamente pela pandemia. Podemos pensar em alternativas e pequenas ações de solidariedade, próprias do Espírito de Páscoa?

Professora Rosélia: Os pobres são os mais atingidos, os que sofrem mais. Eles são o alvo da nossa solidariedade. A Campanha da Fraternidade deste ano nos chama a converter o nosso olhar ao serviço dos irmãos. Convida a enfrentar a realidade pessoal, familiar, social, alargar o nosso olhar. O pecado ameaça a vida como um todo. E as nossas ações, elas precisam ser efetivas, e as perguntas que a gente precisa se fazer: o que aconteceu com a humanidade, o que aconteceu conosco, o que está acontecendo com todos? E nós precisamos vencer a indiferença. Com certeza, em nossas comunidades, onde há aqueles que mais precisam, nós vamos empreender o maior cuidado. O lugar de acolhida é a pequena comunidade. Mesmo que não estejamos presentes, ao nos colocarmos à disposição, dizermos o que temos a oferecer. É a hora de ligar para a paróquia, ligar para o padre, para as lideranças comunitárias e dizer: olha, eu estou disponível, seja no alimento, seja na passagem para a pessoa se locomover. É um grande desafio, mas é possível. E a gente tem uma liderança imensa, sintonizada, seja dentro das comunidades, das igrejas, seja no serviço social da Prefeitura de Belo Horizonte.

O texto da Campanha da Fraternidade nos lembra também a importância de exercitar o olhar virtuoso, o olhar da compaixão. Apesar de não podermos nos aproximar neste momento fisicamente dos que mais precisam, nós vamos continuar conectados a esta rede solidária que a gente tem. Eu acredito que a Igreja de Belo Horizonte pode nos ajudar muito. Nós temos várias equipes que não medem esforços, e estarmos juntos, somando na solidariedade, garantirá que todos possamos celebrar a Páscoa como uma vida nova.

 

No Ponto: Na sua avaliação, qual será o maior aprendizado para a humanidade?

Professora Rosélia: O maior aprendizado é focar naquilo que é mais importante. No dia a dia a gente tem coisas, a gente faz coisas, a gente desenvolve, às vezes, até projetos de vida muito focados no lucro, focados na gente mesmo. Então, acredito que estar preocupado com o outro é o nosso aprendizado. Acredito que a humanidade tem chance de sair desta crise diferente do que ela entrou. Lembrando do isolamento de uma lagarta no casulo. Quando ela sai é uma linda borboleta. A nossa expectativa é essa. Vamos ficar um tempo maior do que a gente imagina isolados, dentro do casulo, e enquanto isso vamos desenvolver dons, habilidades mais humanitárias, mais acolhedoras, mais inclusivas. Vamos ser mais humanos depois dessa crise, tenho certeza disso. Algumas pessoas nesse momento estão vivendo a tensão, a aflição de como será, mas certamente será um tempo fecundo, onde nós vamos poder ver como a semente que está na terra, no escuro, vai se arrebentando ali e vai nascer uma bela planta. Nós acreditamos nisso. O Espírito da Páscoa é esse. Saber que em alguns momentos a gente morre e que, em algumas situações, precisa morrer mesmo. Alguns falsos valores precisam mesmo morrer em nós para que a vida verdadeira brote. E brote com força e brote com tudo para que a gente possa apreciar, em um futuro próximo, uma humanidade verdadeira, iluminada.

 

Campanha da Fraternidade 2020

O tema da campanha deste ano é Fraternidade e Vida: Dom e Compromisso e o lema bíblico é Viu, sentiu compaixão e cuidou dele, baseado na parábola do bom samaritano. O cartaz da campanha, além de fazer referência a uma parábola bíblica do bom samaritano, homenageia Irmã Dulce, canonizada no dia 13 de outubro do ano passado e agora chamada de Santa Dulce dos Pobres. Santa Dulce dos Pobres foi uma das religiosas mais populares do Brasil graças ao trabalho social prestado aos mais necessitados, principalmente na Bahia.

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