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Com pouco mais de 300 anos da abolição da escravatura, apenas em 2021 foi institucionalizado nacionalmente um feriado que abarca o verdadeiro sentido da luta dos brasileiros descendentes dos africanos escravizados a partir do período de colonização. Proposto pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), o Projeto de Lei 482/2017 ampliou a celebração do Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, 20 de novembro, para todos os estados do país. A data é importante porque pauta discussões de temas que ainda são necessários em um país em que a manifestação do racismo é cotidiana. Com o objetivo de construir o debate acerca de pautas coletivas e sociais, a PUC Minas realiza nas suas redes sociais campanha com vídeos abordando temas contemporâneos discutidos pelos movimentos anti-racistas.
A nacionalização da data, 20 de novembro, é motivo de comemoração entre os militantes das diversas frentes dos movimentos negros. “É impossível separar a luta material, por direitos, da luta simbólica”, explica Raphael Calixto, fotógrafo da Assessoria de Imprensa, setor da Secretaria de Comunicação. “Quando pensamos no 13 de maio, na assinatura da abolição, lembramos que a população ex-escravizada não recebeu qualquer amparo do Estado, muito pelo contrário, o que se viu nos anos posteriores foi a sistematização de leis que marginalizavam ainda mais essas pessoas”, completa.
A campanha se estrutura em três vídeos curtos, publicados mensalmente nas redes sociais da universidade. O primeiro deles, já veiculado em outubro, trouxe o alerta da nutricionista e técnica do laboratório de Práticas Dietéticas do Curso de Nutrição da PUC Minas Krisna Túlia de Lima Santos. No vídeo, a nutricionista alerta para o comprometimento da segurança alimentar e nutricional de milhões de brasileiros com a pandemia de Covid-19, mas, principalmente, da população negra, que compõe a maior parcela das pessoas em situação de vulnerabilidade social. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), atualmente entre os 41% da população que residem em domicílios com insegurança alimentar, 28,4% são de famílias com pessoas de referência preta ou parda. Ainda segundo o estudo, 12,1% integram famílias com pessoas de referência branca.
Outros dois vídeos serão lançados nos dias 20 de novembro e 19 de dezembro. O professor do Instituto de Filosofia e Teologia Thiago Teixeira trará uma reflexão sobre a figura histórica de Zumbi e a sua importância para a construção de uma identidade positiva das pessoas negras. Já o estudante do Curso de Psicologia e funcionário da Unidade São Gabriel Gustavo Estevam comentará sobre o lugar de luta de estudantes e pesquisadores periféricos contra os entraves do sistema.
Para o fotógrafo da Assessoria de Imprensa e autor da proposta da campanha, Raphael Calixto, manter viva a consciência da própria população negra sobre sua origem, cultura e valores é mais do que fundamental. “De livros apoiados no revisionismo a conteúdos na internet que tentam deturpar fatos históricos, as pessoas engajadas nas causas antirracistas precisam lidar com a luta também no campo das ideias. Afinal, há um contra processo que tenta desvalorizar as pautas raciais”, explica Raphael. Para Gustavo Estevam, vivemos em uma sociedade que nega a identidade do povo negro, a desvaloriza e faz de tudo para apagá-la. “Tornar-se negro é um processo”, aponta. “A vida toda você tenta se encaixar num padrão eurocêntrico, nega a sua subjetividade, mas depois que eu percebi esse lugar as coisas mudaram”, conta. Além de se envolver em atividades que valorizam a cultura negra, como o Bloco Afro Angola Janga, cujo nome homenageia, na língua banto, o quilombo de Palmares, Gustavo busca promover em seu trabalho de conclusão de curso e nas práticas da Extensão universitária em que está envolvido, a construção de uma subjetividade firme e preparada para lidar com as questões étnicas-sociais junto com jovens de escolas públicas. “Eu, assim como muitas outras pessoas negras, quando criança, passei por um processo bem delicado. Você tenta se encaixar, tenta ser branco. O espaço escolar pode ser bem perverso”, destaca Gustavo.
O professor Thiago Teixeira vê na iniciativa uma forma de evidenciar a pluralidade e a presença de sujeitos que são negligenciados e mantidos às margens dos espaços centrais de protagonismo na sociedade. “Nós absorvemos ao longo da nossa trajetória muitos silêncios. E os espaços de conhecimento se consolidam também a partir de narrativas únicas do mundo. Essas iniciativas são importantes porque reagem também ao silenciamento e aos apagamentos que são apresentados para nós como destino”, define. Para Thiago, a importância do dia 20 de novembro ou Dia da Consciência Negra tem a ver com uma resposta a toda uma memória colonial estruturalmente racista que alicerçou os espaços sociais e políticos a partir do apagamento da presença de pessoas negras. “Então, é celebrar entendendo a celebração como ato de resistência ativo. Significa responder a essa memória dizendo que nós somos conscientes das nossas presenças como vidas, uma vez que elas foram negligenciadas por um projeto historicamente consolidado para dizimar sujeitos negros dos espaços de poder, dos espaços políticos. Raphael Calixto afirma que colocar Consciência Negra em pauta vai além de uma opção. “A nossa pauta primeira é a racial, mas ela não é a única. Pessoas negras não têm muita escolha sobre essa reflexão porque ela é latente, indissociável de quem somos e, antes de qualquer outra identidade, a nossa cor chega primeiro nos espaços. É a nossa cor que define como seremos tratados por juízes, policiais e até seguranças de supermercado”, conclui.
Secretaria de Comunicação | Recursos Humanos